A cada seis meses, Samuel de Castro Santiago, de 43 anos, proprietário de uma pousada localizada no bairro Praia do Futuro I, em Fortaleza, gasta cerca de R$ 6 mil em manutenções por desgastes nos móveis e eletrodomésticos. O motivo do alto valor e da frequência é o nível de agressividade da corrosão dos aparelhos provocada pela maresia.
Uma pesquisa conduzida pelo professor Eduardo Cabral, coordenador do Laboratório de Materiais de Construção Civil (LMCC) do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Ceará (UFC), revelou que a Praia do Futuro possui a maior maresia do mundo, devido à incidência de ventos na região. A maresia é uma névoa fina e úmida formada por gotículas do mar e levada pelo vento.
O estudo foi realizado em 2018 e tinha como objetivo classificar o nível de agressividade ambiental por meio da presença de íons cloro no ar. Para a medição, foi utilizado o método da vela úmida, um dispositivo formado por um tubo de PVC coberto por gaze cirúrgica, conectado a um frasco com solução líquida, onde os cloretos são absorvidos.
· Foram 46 pontos de coleta distribuídos pela cidade, priorizando a faixa litorânea.
· A coleta aconteceu mensalmente por 12 meses e os dados foram analisados no LMCC.
A pesquisa revelou que a Praia do Futuro é a região mais agressiva em termos de deposição de íons cloro no ar, um dos principais componentes da maresia, superando outras cidades brasileiras e internacionais. Antes, São Francisco do Sul (SC) registrava a maior maresia do Brasil. Contudo, o estudo descobriu que a concentração média da Praia do Futuro é mais que o dobro da cidade catarinense.
No cenário internacional, a Praia do Futuro também se destaca. Quando comparada com locais que adotaram metodologias semelhantes, ela é 87,34% mais agressiva que a Nigéria, a segunda colocada, e 5149,63% mais que a Espanha, a última colocada no ranking divulgado pela pesquisa.
A elevada deposição de íons de cloro tem implicações diretas na corrosão de estruturas e materiais expostos. Marcos Moura, de 55 anos, é dono de uma oficina mecânica e mora na Praia do Futuro há 30 anos. Manter as ferramentas em boas condições é praticamente impossível, segundo ele, já que a maresia deixa os equipamentos completamente enferrujados. "De três a seis meses [após a compra], as ferramentas ficam cheias de ferrugem", conta.
E não é apenas a oficina que sai prejudicada. Os próprios clientes vão até o local em busca de soluções para veículos danificados por conta da corrosão. "É todo dia. De manhã, quando a gente passa a mão no carro, é puro sal", relata.
A psicóloga Rosita Vidal, de 67 anos, mora há quase dois anos na região e cita os prejuízos que já teve por viver próximo à Praia do Futuro. "Meu carro com menos de seis meses está com muita ferrugem na parte inferior do veículo. Minha TV com menos de dois anos simplesmente apagou a imagem", comenta.
Entenda o impacto da maresia
Regiões litorâneas sofrem os maiores impactos da maresia. Quanto mais perto do mar, maior a corrosão de estruturas, veículos e eletrônicos. O professor Pedro Lima, do Departamento de Química Analítica e Físico-Química da UFC, explica como ocorre o fenômeno:
· A maresia é o ar carregado de gotículas de água salgada;
· O fenômeno acontece a partir da arrebentação das ondas do mar;
· As gotículas são arrastadas pelo vento para o continente;
· Por meio do vento, as partículas são depositadas nas superfícies que alcançam, sejam aparelhos eletrônicos ou estruturas de concreto.
Cabral explica que a forte incidência de ventos em Fortaleza faz com que a cidade tenha uma maresia mais penetrante.
É a partir dessa ação que ocorre o processo de corrosão. "Quando se tem uma solução salina depositada numa superfície metálica, há aí, um meio condutor para passagem de cargas elétrica (elétrons). Portanto, a corrosão é um processo eletroquímico, pois a gotícula salina depositada na superfície metálica será o meio que promoverá uma reação de oxidação metálica (corrosão) e a redução do oxigênio presente no ar que levará a formação de óxidos metálicos", explica Pedro Lima.
· Quando o sal e a água do mar se depositam em um metal, formam uma solução que conduz eletricidade;
· Isso cria um ambiente propício para a passagem de elétrons, iniciando um processo de corrosão;
· A corrosão acontece porque o metal perde elétrons (oxidação), se desgastando.
· Ao mesmo tempo, o oxigênio do ar ganha esses elétrons (redução), formando óxidos metálicos, como a ferrugem.
· Esse processo é chamado de corrosão eletroquímica, pois envolve reações químicas ligadas à eletricidade.
Apesar de se beneficiarem da vista para o mar ou aproveitarem a chegada constante de turistas em um dos principais pontos turísticos da capital do Ceará, os moradores e empresários da região da Praia do Futuro precisam lidar com os efeitos da maresia, que impactam equipamentos e estruturas.
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